A investigação do Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF) e Representação da Inteligência Previdenciária (Reinp) que resultou na Operação Anjo Mau, deflagrada no dia 17 de maio em Natal, detalhou a forma de agir do grupo que fraudou diversos auxílios previdenciários no Rio Grande do Norte. Durante a operação, foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão, na residência de três servidores do INSS e na agência da Previdência Social, no bairro de Nazaré.
No período de março de 2010 a agosto de 2011, uma organização criminosa forjou vínculos trabalhistas e obtinha irregularmente auxílios previdenciários, gerando prejuízos aos cofres públicos. Dela faziam parte Angelo Wagner Alves e quatro servidores do INSS (um dos quais já faleceu). Outros quatro beneficiários do esquema foram denunciados no início deste ano pelo MPF.
Na ação penal que deu origem à operação (0802520-45.2017.4.05.8400), de autoria do procurador da República Fernando Rocha, o MPF denuncia, além de Angelo Wagner, o médico perito do INSS Antônio Carlos Barbosa; os servidores do INSS Aurino Araújo Goes e Petrúcio Rainerio de Azevedo; e também Manoel Bernardo Gois Cassiano, Jailson José Ferreira, Adriano Cezar Felipe e Maria Auxiliadora Bezerra.
Investigações e colaboração – Em 2011, o INSS montou um Grupo de Trabalho para Monitoramento Operacional destinado a auditar dezenas de benefícios com indícios de fraude. Essa auditoria apontou Angelo Wagner como diretamente envolvido em diversas das irregularidades. Do que havia sido descoberto, resultaram várias ações penais, das quais pelo menos uma (0001686-80.2014.4.05.8400) já gerou a condenação de Angelo Wagner, com trânsito em julgado.
Até então, contudo, as denúncias tratavam apenas dos casos nos quais Angelo agia junto com o beneficiário da fraude, sem, no entanto, a participação direta de servidores do INSS. Em 2016, porém, ele procurou o MPF para firmar o acordo de colaboração premiada, propondo-se a devolver o dinheiro recebido irregularmente e contar detalhes do esquema.
Funcionamento – As fraudes se iniciavam, geralmente, com Angelo Wagner forjando falsos vínculos empregatícios. Tendo atuado como contador de empresas, ele tinha o conhecimento técnico necessário. Gerava Guias de Recolhimento de Fundo de Garantia (GFIPs), criando assim a condição de segurado dos beneficiários, para solicitar os benefícios.
Nos casos de pedidos de aposentadoria por idade e pensão por morte, eram utilizadas carteiras de identidade, CPFs, certidões de casamento, certidões de óbito, entre outros documentos, todos falsificados. Somada a essas fraudes, o réu apontou em sua colaboração premiada outra forma utilizada para tirar dinheiro dos cofres públicos: através da concessão irregular de auxílios-doença.
Dessa parte do esquema fazia parte um grupo de funcionários do INSS. Segundo Angelo Wagner, ele atraia possíveis beneficiários para o servidor João Ferreira Cândido Neto (falecido em 2013), que se encarregava de juntar a documentação necessária e instruir o pedido de benefício previdenciário fraudulento.
O colaborador apontou a participação de três outros servidores, lotados na Agência de Nazaré, que se integravam ao esquema principalmente quando era necessária a realização de perícias médicas e que faziam funcionar as irregularidades, mesmo quando João Cândido Neto se encontrava afastado de suas funções, por conta de reiteradas licenças-médicas.
Aurino Araújo seria o responsável por efetuar a remarcação da perícia, de forma que o beneficiário fosse direcionado para a agenda do médico Antônio Carlos. Já a Petrúcio Rainerio cabia retirar do sistema do INSS impedimentos que pudessem atrapalhar a realização de perícia. O perito, por sua vez, emitia laudo atestando a incapacidade do beneficiário, mesmo tendo conhecimento da fraude.
Na maioria dos casos, o beneficiário sequer tinha de ir até a agência do INSS, muito menos ao consultório de Antônio Carlos. De acordo com Angelo Wagner, as pessoas beneficiadas pelas fraudes o pagavam diretamente, em espécie, e também antecipavam um valor a João Cândido Neto, que dividia com os demais servidores envolvidos, em geral algo em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil.
Benefícios – Dentre os beneficiários de auxílios-doença concedidos irregularmente está a esposa de Angelo Wagner (inocentada em outra ação penal por não ter conhecimento da irregularidade). Somente essa fraude gerou prejuízo de R$ 12.216,06, ao INSS, em valores não atualizados. Neste caso, Angelo pagou R$ 3 mil a serem divididos pelos servidores integrantes do esquema.
Outro benefício semelhante foi concedido a Jailson José Ferreira e resultou no pagamento de R$ 9.896,31, sem que ele sequer tenha ido à agência se submeter a qualquer perícia. Angelo era inquilino dele e sua vantagem consistiu em não pagar o aluguel durante dez meses, o que equivalia a R$ 4.500. O próprio Angelo Wagner se tornou beneficiário de um auxílio-doença, gerando prejuízo de R$ 18.060,92, quantia também não atualizada.
Ele repassou sua documentação para João Cândido Neto e, após ser habilitado e qualificado como segurado, através de vínculo fictício, foi ao consultório de Antônio Carlos Barbosa sem levar qualquer exame, laudo ou documento que comprovasse enfermidade. Mesmo assim, o médico atestou sua suposta incapacidade para trabalhar.
Em meio a essa fraude, o grupo ainda viabilizou a inclusão de novos vínculos empregatícios fraudulentos para Angelo, o que aumentou sua suposta renda base de R$ 975,19 para R$ 2.955,34 e gerou um Pagamento Alternativo de Benefício (PAB) no valor de R$ 11.023,31, sacado antes de o INSS determinar o bloqueio do valor por suspeita de fraude. Pelo “extra”, Angelo repassou R$ 2 mil em espécie a Aurino Araújo.
Outro auxílio fraudulento foi concedido a Manoel Bernardo de Gois Cassiano, por ser supostamente “portador de transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais, com radiculopatia”, conforme atestou o laudo do perito Antônio Carlos. Através dessa fraude, ele recebeu R$ 18.553. Outros dois foram concedidos ao ex-cunhado de Angelo Wagner, Adriano Cezar Felipe, e resultaram em um prejuízo de R$ 21.788,94. Durante as investigações, Adriano admitiu nunca ter trabalhado para a empresa que lhe garantiria a qualidade de segurado junto ao INSS.
Um sétimo benefício foi para Maria Auxiliadora Bezerra, ex-sogra de Angelo Wagner, e representou R$ 26.244 pagos irregularmente. Ela também confirmou que nunca trabalhou para a empresa, que entregou seus documentos ao ex-genro e que pagou aos integrantes do esquema.
Os envolvidos foram denunciados por corrupção ativa (Angelo Wagner e os beneficiários dos auxílios fraudados); inserção de dados falsos em sistema de informações (com exceção de Manoel Bernardo); corrupção passiva (os servidores do INSS) e estelionato (Angelo e Aurino Araújo).