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“Eu vi a cara da morte e ela estava viva”

Sabe aquele brilho tirano? Talvez alguns não saibam, mas ontem à noite eu soube bem como ele era. Uma arma de fogo, que com brilho refletido da luz de um poste, na rua das Gardênias, no bairro de Mirassol, impôs em mim um medo funesto e que fez, cinematograficamente falando, passar um trailer de profunda reflexão da vida. A minha vida, do meu modo mais simples de pensar, estava a um “dedo” de ser extirpada.

O que você pensa? Na família, nos amigos, nos bons momentos, o que mais você pode viver, o sufoco que foi para conquistar tantos bens e tantas coisas que condensam apenas numa força humana para correr daquele local e procurar refúgio, buscar ajudar. É o brilho tirano da arma de fogo motivada pelas piores intenções de uma criatura – no meu assalto foram duas – que passado o momento de choque e raiva, você pensa o porquê daquilo. Porque fazer aquilo?

Eu vi meus objetos pessoais e de trabalho, junto com meu veículo (Chevrolet/ONIX 1.0 MT LT, branco) partir levando sonhos, trabalho e muita luta. Mas só pensava em falar com minha mãe, minha esposa e alguns contatos que poderiam me socorrer. Por sorte, os bandidos não levaram minha carteira, na pressa não me revistaram completamente. Mas sem celular ou algum item que me ajudasse ficava díficil fazer valer o elo familiar que nos mantém seguro e firme. Contem com ajuda de algumas pessoas que estavam em um ponto de táxi, um deles me levou até a Plantão Zona Sul, em Candelária.

Lá encontrei um repórter e o cinegrafista da TV Ponta Negra, me ajudaram a ligar para minha mãe, gravaram algumas imagens, concedi entrevista. Futuro jornalista que segue pautas sendo pauta de uma matéria. Encontrei na Polícia Civil o retrato do nosso RN. Falta de estrutura e condições para um trabalho digno daqueles que estão em extremo estresse de trabalho e funções delegadas. Contém com a presteza dos agentes André e Marcão, em seguida estava com um amigo que veio prestar ajuda, em seguida minha cunhada e seu marido.

Com celular da minha cunhada falei com minha mãe, um alívio que as pessoas mais próxima já estavam atentas a tudo e mais aliviadas em saber parte da história, que estava vivo e seguiria para Santa Cruz. Da chegada na Plantão Zona Sul até meu colega vir prestar ajuda se foi mais de 80 minutos, um dos piores da minha vida. Sozinho no meio de uma cidade tomada pela violência, sem ter o conforto familiar, no entanto vivo e tentando ficar bem para seguir em frente.

Essa é a nossa realidade. Lutar para sobreviver em meio ao caos, nem sempre vamos ficar preparados, nem sempre planejamos tudo. As vezes é preciso recomeçar, ajustar e resetar todo o sistema que estamos acostumados a funcionar. A fé ajuda muito, o conforto dos amigos e a palavra de coragem anima um pouco.

É preciso ter tudo isso e muito mais para encarar a morte e sair ileso. Pois é, assim como Cazuza escreveu: “eu vi a cara da morte e ela estava viva”. Muito viva, olhava para mim, gritava para sair do carro e tinha um brilho tirano, aquele que falei lá no início, um brilho que poderia ser seguido de um disparo e ceifar minha vida. Reagir? Pensei, em reagir após tudo passar. E estou reagindo, escrevendo esse texto, relatando minha história e me preparando para seguir em frente mais um capítulo. Não é o fim do mundo, é só mais uma história como tantas outras, como aquelas que encontrei no Plantão Zona Sul. Histórias que virão a morte, tiveram medo.

O mesmo poeta Cazuza também dizia que “do medo faria uma oração”. Todos fazem, ninguém pensa em deixar essa existência terrena assim. Mas vamos seguir em frente. Amanhã ou depois volto a escrever, talvez até hoje. Espero trazer boas novas.

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